Friday, December 2, 2011

Cisne Negro

Acho impressionante como pequenas coisas podem mudar nosso olhar. Vamos deixar de lado um instante o que Natalie Portman fez por Nina e pensar só na diferença de caracterização. Começando pelo óbvio, o cisne bom é Branco e o mau é Negro. No começo as diferenças são sutis: me lembro que quando ela começa a enlouquecer tem uma cena em que Nina passa por ela mesma no metrô. Ela-boa, está saindo do ensaio, voltando para casa, e no metrô passa por... ela-má, que anda na direção oposta. A boa está com suas roupas mais claras e leves, o cabelo bem puxado num coque, aquela coisa de bailarina impecável; a má está de sobretudo preto, maquiagem pesada nos olhos e cabelo solto. Só o contraste do cabelo já faz toda a diferença entre a pessoa mais rígida (e frígida) que é a bailarina perfeccionista com a mulher livre e sem responsabilidades que é a bailarina perfeita.

É bem legal também essa distinção que o diretor (Vincent Cassel, esplêndido) faz. Ele fala para Nina parar de se preocupar com a perfeição e viver, e só assim ela consegue realmente alcançar o que ela queria *spoiler* mas tudo tem um preço, e o dela é a loucura. Quem assistiu pensando que ia ver um drama de ballet se decepcionou. Quem assistiu pensando que ia ver um filme de terror se decepcionou. O filme é um maravilhoso thriller psicológico, que trata dos conflitos pessoais que aquela menina - que calhou de ser uma bailarina pela história, mas poderia ser qualquer outra coisa - passa e a constante busca pela perfeição, que só pode levar a uma vida infeliz e surtada.

Me lembro de ler um artigo sobre o filme em março, logo depois do Carnaval, que analisava justamente porque a personagem má fez tanto sucesso nos blocos. Apesar de a resposta me parecer óbvia, é uma coisa bastante interessante de se pensar. O Carnaval é um momento em que nos permitimos ser uma pessoa diferente do resto do ano, saimos da rotina, nos vestimos e comportamos de outra forma. Nada mais natural, então, que a personagem que vive - o Cisne Negro - e não tem responsabilidades ser quem todo mundo quer ser. Eu mesma me fantasiei de Cisne Negro e era só o que se via - assim como eu acho que ano que vem será da Amy, outra musa "transgressora" da atualidade. Enfim, acho bastante plausível o Cisne Negro fazer mais sucessos numa situação como o Carnaval do que o Cisne Branco, que é inocente, fofo, bonzinho.

Nina
Cisne Branco
Loucura
Transformação
Cisne Negro


#Swan Lake Op. 20, Act I N - Montreal Symphony Orchestra, Charles Dutoit

2 comments:

Marina said...

BBB! Boa reflexão! bom de ler! Bjs.

Duda said...

As obras de arte depois de feitas e entregues ao mundo por seus autores ganham vida nas infinitas interpretações que cada pessoa elabora ao entrar em contato com elas. Essa é a grande diversão: cada um vê ( e se vê nela) de uma maneira, é tocado e se emociona de uma forma, ama/odeia, ou até ignora completamente aquela manifestação. Esse filme é um exemplo da capacidade de gerar reações extremas, cobrindo um vasto espectro das emoções estéticas. Eu gostei muito, por isso quero dividir minhas impressões. Acho que a dicotomia óbvia boa/má não se encaixa para aquelas meninas. Não me lembro de nenhuma passagem do filme em que o cisne negro demonstre uma maldade essencial nas suas atitudes e/ou intenções (me corrija caso minha memória tenha falhado). E nem a branquinha é boazinha assim. Ao contrário, ela é um ser travado com uma bomba no peito prestes a explodir que abafa sua agressividade o tempo inteiro. A vontade dela era dar porrada na mãe, estrangular umas colegas de trabalho e por aí vai... O cisne negro é uma mulher livre sim mas com muita responsabilidade. A primeira consequência da liberdade é a responsabilidade de assumir a plenitude dos seua atos e escolhas todos os dias, responsabilidade de viver intensamente e sem amarras. O conceito de perfeito nas nossas vidas terrenas não é absoluto, é relativo às circunstâncias especificas que aceitam algo naquele momento como perfeito para aquela situação. A pretinha não é perfeita, tem "deficiências técnicas" que a branquinha talvez não tenha, mas coloca as vísceras pra fora e transborda sensualidade quando dança. Por que a negrinha é transgressora? Só porque faz o que gosta com muita paixão e tesão e se entrega com a alma e a carne aos seus desejos de realização profissional/espiritual? Por que esperar o carnaval pra se fantasiar de cisne negro? Baixa esse santo durante todos os dias do ano e faz um retiro no carnaval! A branquinha é muito chata e não tem nada de inocente e boazinha. Freud explica parte daquela piração...mãe repressora, sexualidade travada, etc. E a busca pela perfeição não leva necessariamente à infelicidade e à loucura se é um caminho trilhado com a consciência de que jamais alcançaremos essa perfeição (no sentido já mencionado). Eduardo Galeano diz uma coisa linda: para que existe a utopia ("perfeição" da existência?)? Quando caminhamos em sua direção ela se afasta, quanto mais perto chegamos mais longe ela está, então para quê? Para continuarmos caminhando.
beijos
Duda